24.4.15

Em obras

Meu nome é Arthur e já faz um ano que moro num canteiro de obras. Sim, dentro de um canteiro de obras. 

A casa toda está em reforma. Um projeto faraônico, um elefante branco, uma reforma que se transformou num monumento que ainda não dá para visualizar totalmente. 

Paredes foram derrubadas e levantadas, pisos arrancados, fiação elétrica trocada, telhas (todas) destelhadas. Há um ano estou espremido no que chamo de JAGATA FLAT SERVICES - 40 metros quadrados divididos em dois quartos e um banheiro. 

Perdi a vista linda que tinha do quarto de dormir (e que agora virou escritório), perdi também muitas roupas e sapatos furtados pelos pedreiros da primeira etapa. Quase perdi a vida duas vezes ao despencar da escada improvisada que conecta os dois andares - uma das quedas deixou sequelas no meu calcanhar. Afundei metade do meu corpo de 1m88cm numa laje que ainda não estava seca, apesar de parecer sólida, e quase fiquei cimentado ali. Uma vez os pedreiros me esqueceram no segundo andar. Era sexta-feira. Eles terminaram mais cedo. Usaram a tal escada de acesso em outro local e a deixaram por lá. Quando me dei conta eram seis horas da tarde e não tinha mais ninguém na obra, nem escada para eu descer e nem uma banana para comer. Sobrevivi com o que tinha no meu frigobar: água. E gelo. Fui resgatado com vida horas depois, fraco e desnutrido. 

Caos total. Esta desorganização externa refletiu durante bastante tempo internamente. Não consegui me organizar em meio à bagunça. Tive que tentar me adaptar à poeira excessiva, ao cheiro de tinta (que me causou uma alergia escrota) e aos horários dos operários. Sou notívago. Sempre fui. Acho que a última vez que dormi cedo regularmente foi em 1996. E peão de obra pega cedo no serviço, não é? Logo meu relógio interno ficou completamente alterado. Por meses foi mais ou menos assim: eu dormia duas ou três horas antes da quebradeira começar e então era arrancado dos meus sonhos à força pela barulheira. Sempre um susto! Quando os pedreiros paravam para almoçar eu dormia profundamente novamente e torcia para que eles tirassem uma sesta longa. Quase nunca aconteceu. O pior mesmo foi quando eles tiveram que trabalhar até onze da noite e nos finais de semana. Lágrimas de sangue! 

Fui perdendo o ânimo. Minha energia vital ficou desregulada. Minha criatividade desapareceu. A desordem externa se tornou interna. Não estive bem. Não estive nada bem. 

Só agora, no que parece ser a reta antes da reta que antecede a reta final da obra é que junto forças, busco um equilíbrio, procuro me animar para ficar em mim de novo. Para isso alguns rituais diários são fundamentais: aspirador de pó, pano molhado no chão e nos móveis, limpar as janelas, organizar a mesa de trabalho. Duas horas por dia de arrumação para alguns momentos de encontro comigo mesmo, na minha poltrona de trabalho, com as minhas inspirações, minhas páginas em branco, minha vida. Já me sinto no lucro. 

Vou sobreviver. Manco. Mas vou sobreviver. 

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